"O ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão
muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos
fazem antes de ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres
humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e a seguir
escreveram as palavras."
E mais...
"A escola não alfabetiza, ela dá continuidade a um processo de
alfabetização já em pleno desenvolvimento."
Paulo Freire
A língua é organizada pelas atividades dialógicas dos
falantes/ouvintes e escritores/leitores, de maneira dinâmica, de
acordo com as intenções ideológicas de cada comunidade sociocultural
produzida historicamente pela humanidade. É pela linguagem que os
homens interagem, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos
de vista, partilham e constroem visões de mundo, produzem
discurso/cultura. O domínio da linguagem é condição necessária para
que o aluno tenha oportunidade de participar ativamente da vida em
sociedade.
Cabe ao ensino da língua materna aprofundar, nos momentos iniciais da
escolarização, apropriar-se do sistema linguístico e compreender o seu
funcionamento e, na sequência, desenvolver a competência de estruturar
textos adequados às exigências do gênero, do propósito e da situação
ocupada pelo autor nas diferentes situações socioverbais.
A leitura e a escrita foram evoluindo e transformando seus usuários e
seu mundo. Reportar a essas transformações através dos tempos,
significa o esforço de tentar compreender a questão da leitura e
escrita como instrumentos cognitivos, que operam mudanças nas formas
de pensamento humano e alteram substancialmente as formas de
conhecimento na humanidade.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental a criança precisa adquirir
várias competências para que tenha "permissão" de prosseguir nos
próximos anos. Diante da dificuldade em ensinar a ler e escrever e,
dos números alarmantes de alunos retidos nos primeiros anos de
escolarização, foram feitas várias tentativas para mudar estas
estatísticas.
Em 14 de dezembro de 2010, foi publicada a resolução CNE/CEB nº7,
atualizando a lei 11.274 que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Funda mental de nove anos (Brasil, 2010). Dessa
resolução, destacamos as seguintes questões: todos os alunos precisam
ser plenamente alfabetizados até os oito anos e a escola deve garantir
os meios para que o letramento ocorra até essa idade; não deve haver
reprovação até o terceiro ano desse bloco pedagógico. Os três
primeiros anos do Ensino Fundamental devem ser considerados um bloco
único, constituindo um ciclo sequencial de aprendizagem; a escola deve
assegurar a alfabetização do aluno na idade correta, levando em conta
o ritmo de aprendizagem de cada um; crianças de 6 anos, ou 6 anos
completados até o dia 31 de março do ano da matrícula, devem ser
matriculados no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Fonte: portal.mec.gov.br
Para assegurar o progresso contínuo dos alunos no que se refere ao
seu desenvolvimento pleno e à aquisição de aprendizagens
significativas, lançando mão de todos os recursos disponíveis e
criando renovadas oportunidades para evitar que a trajetória escolar
discente seja retardada ou indevidamente interrompida. Para isso os
três anos iniciais do Ensino Fundamental devem garantir a
alfabetização e o letramento.
O processo de ensino-aprendizagem para alfabetização deve ser
organizado de modo que a leitura e escrita sejam desenvolvidas por
intermédio de uma linguagem real, natural, significativa e vivenciada.
A criança precisa sentir a necessidade da linguagem e o seu uso no dia
a dia. Assim, a assimilação do código linguístico não será uma
atividade de mãos e dedos, mas sim uma atividade de pensamento, uma
forma complexa de construção de relações.
Alfabetização e Letramento
A criança percorre, no seu desenvolvimento, dentro do seu ambiente
cultural, o mesmo caminho percorrido pela humanidade na organização de
seu conhecimento: o ser humano partiu do pictórico e construiu uma
simbologia(alfabeto); de maneira similar, a criança inicia a
representação do mundo por meio de gesto ou do desenho e chega ao
símbolo e às regras sistemáticas reconstruindo o código linguístico
utilizado na comunidade. A criança descobre muito cedo a função
simbólica da escrita e percorre um caminho progressivo até que, por
volta dos 6 ou 7 anos, domina uma combinação arbitrária de sinais e
significados.
Basicamente, o conteúdo da alfabetização é ensinar a ler e a escrever.
Ler e escrever, porém, incidem sobre um objeto socialmente
contextualizado – ler o quê?, escrever o quê?
A reflexão sobre os conteúdos pedagógicos deve nos lembrar da
especificidade da escola, que é uma instituição criada para ser um
espaço de socialização do conhecimento. É a partir da relação
escola/conhecimento que precisamos pensar a alfabetização, pois
sabemos que esse conhecimento é um processo a ser construído e que ele
acompanha a criança desde cedo. Nas salas de aula onde a alfabetização
deve dar continuidade a busca de respostas, esse processo deve ser
desenvolvido em sua totalidade, tornando-se um espaço de transmissão e
apropriação de conhecimentos e base para a produção de novos saberes.
Durante milênios não era conhecida uma forma absolutamente precisa de
comunicar ou registrar por escrito as palavras faladas. A escrita é
uma invenção de autoria desconhecida.
Sumérios, egípcios, chineses e outros povos, que começavam a sentir
necessidade de registrar informações e contar fatos, no começo
inventaram sinais para poucas palavras. No geral, eram desenhos
representando seres e objetos do mundo em torno deles.
Então, passaram a existir muitos sinais. Mas, aos poucos, foi-se
tornando necessário escrever mais palavras e era impossível inventar e
decorar sinais para todas elas. Descobriu-se então, que o mesmo sinal
podia ser usado para palavras que tinham significados parecidos.
Então a partir desse feito, a mais ou menos quatro mil anos, foi feita
uma das descobertas, mais importantes da história da escrita: os
sinais podiam também representar o som da fala, e poderíamos usar o
mesmo sinal para palavras que tinham o mesmo som.
A partir daí, tivemos outro avanço: os sinais não precisavam mais ser
usados só para palavras inteiras, mas podiam também ser usados para
pedaços de palavras.
Verdade ou mito criou-se o alfabeto, a partir, da adaptação de um
sistema pré-alfabético às novas necessidades. Essa invenção do
alfabeto acarretou, de imediato, a descoberta daquilo que se
acreditava que ele representava, o fonema.
Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera
sistematização do "B + A = BA", isto é, como a aquisição de um código
fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade
constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas
práticas de leitura e escrita, a simples consciência fonológica que
permitia aos sujeitos associar sons e letras para produzir/interpretar
palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o
alfabetizado do analfabeto.
O conceito de alfabetização ficou durante décadas atrelado ao sentido
de ensino e aprendizagem da tecnologia da escrita, isto é, a escrita
alfabética e as habilidades de utilizá-la para ler e para escrever.
Nesse ponto de vista, estar alfabetizado era, na leitura, ser capaz de
transformar os sinais gráficos em sons e na escrita, ser capaz de
transformar os sons da fala em sinais gráficos ( capacidade de
decodificação e codificação). A alfabetização deve ser vista de
maneira mais ampla e complexa, como um sistema de implementação da
linguagem.
Diferentemente do reconhecimento de frases descontextualizadas como
"Ivo viu a uva", a alfabetização não implica apenas decifrar um
código. Para alfabetizar, a criança deve ser levada a participar da
linguagem escrita. Para isso, é necessário um diagnóstico prévio que
aponte qual é a relação do sujeito com o texto. Assim, podem-se
definir estratégias e exercícios que façam o aluno ler e escrever.
Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da
língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a
alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um
complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação
linguística; os anos que se seguiram, com a emergência dos estudos
sobre o letramento, foram igualmente férteis na compreensão da
dimensão sociocultural da língua escrita e de seu aprendizado.
Passou a ocupar lugar central a discussão sobre a psicogênese da
aquisição da escrita, uma abordagem de grande impacto conceitual no
campo da alfabetização, sistematizada por Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (1985) e vários outros teóricos e pesquisadores.
Tais mudanças conceituais, reverteram a ênfase anterior no método de
ensino para o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e
para suas concepções progressivas sobre a escrita, entendida como um
sistema de representação.
Além disso, passou-se a valorizar o diagnóstico dos conhecimentos
prévios dos alunos e a análise de seus erros como indicadores
construtivos de seus processos cognitivos e hipóteses de aprendizagem.
Outra implicação fundamental passou a ser o deslocamento da ênfase
anterior na alfabetização para uma valorização do ambiente
alfabetizador e do conceito mais amplo de letramento – letramento
definido como a progressiva inserção da criança em práticas sociais e
materiais reais que envolvem a escrita e a leitura.
Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente
complexidade de nossas sociedades fazem surgir maiores e mais variadas
práticas de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o
mundo letrado exerce sobre as pessoas que já não lhes basta a
capacidade de desenhar letras ou decifrar o código da leitura.
Seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do
século XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua
escrita não mais como meta de conhecimento desejável, mas como
verdadeira condição para a sobrevivência e a conquista da cidadania.
Foi no contexto das grandes transformações culturais, sociais,
políticas, econômicas e tecnológicas que o termo "letramento" surgiu ,
ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia por
alfabetização (Soares, 2003).
A necessidade de se começar a falar em letramento, surgiu da tomada de
consciência que se deu, principalmente entre os linguistas, de que
havia alguma coisa além da alfabetização, que era mais ampla, e até
determinante desta.
Enquanto a alfabetização – na maioria das vezes - ocupa-se da
aquisição da escrita por um indivíduo, ou por um grupo de indivíduos
mas sempre trabalhando com o âmbito individual, o letramento focaliza
os aspectos sócio – históricos da aquisição de um sistema escrito por
uma sociedade.
Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um
contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da
vida do aluno. Já não basta aprender a ler e escrever, é necessário
mais que isso para ir além da alfabetização funcional (denominação
dada às pessoas que foram alfabetizadas, mas não sabem fazer uso da
leitura e da escrita).
É preciso lembrar que escrita, alfabetização e letramento estão
ligados entre si. Enquanto os sistemas de escrita são um produto
cultural, a alfabetização e o letramento são processos de aquisição de
um sistema escrito, então, poderíamos dizer que a relação entre eles é
de "produto e processo".
O letramento tem por objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, mas também quem não é alfabetizado, e, nesse sentido,
desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no social. Ele
compreende tanto a apropriação das técnicas para a alfabetização
quanto esse aspecto de convívio e hábito de utilização da leitura e da
escrita.
Para Magda Soares alfabetismo é outro termo para designar letramento.
O conceito de alfabetização para ela é restrito, refere-se apenas ao
aprender/ensinar a ler e escrever. Já Emília Ferreiro coloca que não
precisa usar outro termo (no caso letramento) para designar algo que
já deveria estar dentro do processo de alfabetização.
Alfabetização: é um processo dentro do letramento e, segundo Magda
Soares, é a ação de ensinar/aprender a ler e a escrever.
Precisávamos ver consolidado na escola um processo de ensino
aprendizagem que possibilitasse aos alunos, de fato, o desenvolvimento
de suas competências linguísticas: ouvir, falar, ler e escrever já que
o objetivo do trabalho de língua nos anos iniciais é promover a
cidadania favorecendo condições para que as crianças se constituam
agentes de transformação social.
Esse objetivo está associado ao conceito de letramento. Segundo Magda Soares
"Letramento é abrir as portas e janelas do mundo por meio da leitura,
da
oralidade e ser capaz de se relacionar bem nas diversas práticas
sociais. É, sobretudo, um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,e de tudo que
pode ser."
Mais do que expor a oposição entre os conceitos de "alfabetização" e
"letramento", Soares valoriza o impacto qualitativo que este conjunto
de práticas sociais representa para o sujeito, extrapolando a dimensão
técnica e instrumental do puro domínio do sistema de escrita.
O vocábulo "letramento" surgiu mediante a constatação de muitos
estudiosos "de que não basta apenas o saber ler e escrever, necessário
é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências
de leitura e de escrita que a sociedade faz."
Quando um indivíduo se apropria da leitura e escrita dizemos que ele
está alfabetizado, por outro lado, o uso social que ele faz desse
conhecimento chamamos de letramento. Podemos concluir que
alfabetização e letramento estão intrinsicamente ligados, pois a
alfabetização é um processo contínuo e a esse mesmo processo
denominamos letramento. Porém, é possível, por exemplo, termos casos
de pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo
incapazes de ler e escrever, compreendem os papéis sociais da escrita,
distinguem gêneros ou reconhecem as diferenças entre a língua escrita
e a oralidade) ou de pessoas alfabetizadas e pouco letradas (aqueles
que, mesmo dominando o sistema da escrita, pouco vislumbram suas
possibilidades de uso).
Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código
e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o
domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte
e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia
da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades várias, tais
como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos
(In Ribeiro, 2003, p. 91).
É necessário se organizar, fazendo com que ao longo da escolaridade, o
aluno leia, escreva e fale com eficácia, sabendo assumir a palavra,
produzir textos coerentes, adequados às diversas situações sociais e
aos assuntos tratados. Aprender a ler e a escrever implica não apenas
o conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de
associá-las), mas a possibilidade de usar esse conhecimento em
benefício de formas de expressão e comunicação, possíveis,
reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado contexto
cultural.
A primeira fase da educação básica é o momento ideal para se
privilegiar um processo de ensino aprendizagem voltado para a
investigação interativa, para a criação de um espaço no qual as
crianças realizem atividades investigativas tanto individual quanto
coletivamente. Essa proposta permite o aluno perceber que os objetos
do conhecimento são provisórios e que têm liberdade para refletir,
investigar, tentar, errar e corrigir os "erros". Nessa fase a
oralidade e a escrita não devem ser vistas como em separado, com
estruturas estanques em que as suas modalidades de língua são
colocadas em posições opostas. Deve-se mostrar aos alunos quais as
condições de produção de discurso e qual o gênero apropriado apara
tais condições. O cuidado na exploração textual também deve acontecer,
objetivando analisar contrastes e semelhanças entre os processos de
produção discursiva e as características da organização estrutural dos
diferentes discursos orais e escritos. Produzir discurso significa
dizer alguma coisa à alguém, com uma intenção, de uma determinada
forma, em um determinado contexto histórico e ideológico.
É necessário compreender que a leitura e a escrita são práticas
complementares, fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente
no processo de letramento. A escrita transforma a fala e a fala
influencia a escrita. As duas, fala e escrita, sofrem variação não só
na decorrência do gênero discursivo, mas também em função da situação
em que acontece.
Portanto, devemos pensar nas séries iniciais em um trabalho com a
leitura, escrita e oralidade centradas em atividades que visam
situações de uso da reflexão da linguagem, para que os alunos alcancem
uma competência linguísticas que os permitem agir na prática social de
modo cada vez mais ativo, atingindo o domínio pleno da oralidade,
leitura e escrita para que possa agir adequadamente frente as
diferentes situações socioverbais. As crianças não aprendem
espontaneamente, nem por si mesmas. Aprendem reflexivamente, porque
alguém as põe em situação de pensar.
"O letramento abrange o processo de desenvolvimento e o uso dos
sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o desenvolvimento
histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e
tecnológicas, como a alfabetização universal, a democratização do
ensino, o acesso a fontes aparentemente ilimitadas de papel, o
surgimento da internet." (KLEIMAN, 2005).
A leitura e a escrita devem ser concebidas dentro de práticas sociais,
tornando o aluno capaz de participar de sua comunidade de forma
efetiva.
A criança, mesmo não alfabetizada, já pode ser inserida em um processo
de letramento. Pois, ela faz a leitura incidental de rótulos, imagens,
gestos, emoções. O contato com o mundo letrado acontece muito antes
das letras e vai além delas.
O papel da escola é trabalhar a competência comunicativa sem
desvalorizar a cultura do aluno, aquilo que traz de seu meio social.
Mostrar as diferentes formas de falar.
Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de
escrita é poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo
aos inevitáveis apelos de uma cultura grafocêntrica. Assim, enquanto a
alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou
grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20).
Tendo em vista a independência e a interdependência entre
alfabetização e letramento (processos paralelos , simultâneos ou não ,
mas que indiscutivelmente se complementam), alguns autores contestam a
distinção de ambos os conceitos, defendendo um único e indissociável
processo de aprendizagem (incluindo a compreensão do sistema e sua
possibilidade de uso). Em uma concepção progressista de
"alfabetização" (nascida em oposição às práticas tradicionais, a
partir dos estudos psicogenéticos dos anos 80), o processo de
alfabetização incorpora a experiência do letramento e este não passa
de uma redundância em função de como o ensino da língua escrita já é
concebido.
Outra implicação fundamental passou a ser o deslocamento da ênfase
anterior na alfabetização para uma valorização do ambiente
alfabetizador e do conceito mais amplo de letramento – letramento
definido como a progressiva inserção da criança em práticas sociais e
materiais reais que envolvem a escrita e a leitura.
"... A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual,
por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que
escutam, há uma criança que pensa" (Emília Ferreiro)
A compreensão que hoje temos do fenômeno do letramento presta-se tanto
para banir definitivamente as práticas mecânicas de ensino
instrumental, como para se repensar na especificidade da
alfabetização. Na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se
o desafio dos educadores em face do ensino da língua escrita: o
alfabetizar letrando.
Por último, ao considerar os princípios do alfabetizar letrando (ou do
Modelo Ideológico de letramento), devemos admitir que o processo de
aquisição da língua escrita está fortemente vinculado a uma nova
condição cognitiva e cultural.
Não significa que todo indivíduo alfabetizado, seja letrado; por outro
lado, um adulto analfabeto pode ser letrado. Parece até uma
controvérsia, mas na realidade existem pessoas que mesmo alfabetizadas
não são capazes de pôr em prática o uso do conhecimento adquirido. Em
contrapartida, mesmo um adulto que não saiba ler e escrever pode fazer
uso da escrita através de um escriba que registra aquilo que ele dita.
A alfabetização com a prática do letramento requer do educador uma
reflexão crítica sobre sua prática educativa, para isso mudanças de
paradigmas e aquisição de novos aprendizados se fazem necessárias.
Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da
língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a
alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um
complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação
lingüística; os anos que se seguiram, com a emergência dos estudos
sobre o letramento, foram igualmente férteis na compreensão da
dimensão sociocultural da língua escrita e de seu aprendizado.
Passou a ocupar lugar central a discussão sobre a psicogênese da
aquisição da escrita, uma abordagem de grande impacto conceitual no
campo da alfabetização, sistematizada por Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (1985) e vários outros teóricos e pesquisadores.
Ao falar da psicogênese, fala-se da origem, da gênese da escrita no
processo individual de cada criança. Essa construção ocorre a partir
de hipóteses construídas nas interações que ela tem com a leitura e
com a escrita, mediadas por outros sujeitos – adultos ou crianças com
quem convivem.
A psicogênese não é método, e sim uma teoria que explica o processo de
aprendizagem da língua escrita. Nesse contexto, defendemos a
integração de várias práticas pedagógicas. Mas o importante é que se
leve em conta, além do código específico da escrita, a cultura e o
ambiente letrados em que a criança se encontra antes e durante a
alfabetização. (TEBEROSKY, 2005)
Tais mudanças conceituais, reverteram a ênfase anterior no método de
ensino para o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e
para suas concepções progressivas sobre a escrita, entendida como um
sistema de representação.
Além disso, passou-se a valorizar o diagnóstico dos conhecimentos
prévios dos alunos e a análise de seus erros como indicadores
construtivos de seus processos cognitivos e hipóteses de aprendizagem.
As teorias desenvolvidas por Emilia Ferreiro e seus colaboradores
deixam de fundamentar-se em concepções mecanicistas sobre o processo
de alfabetização, para seguir os pressupostos
construtivistas/interacionistas de Vygotsky e Piaget.
Do ato de ensinar, o processo desloca-se para o ato de aprender por
meio da construção de um conhecimento que é realizado pelo educando,
que passa a ser visto como um agente e não como um ser passivo que
recebe e absorve o que lhe é "ensinado".
Na perspectiva dos trabalhos desenvolvidos por Ferreiro,
os conceitos de prontidão,
imaturidade, habilidades motoras e perceptuais, deixam de ter sentido
isoladamente como costumam ser trabalhados pelos professores.
Estimular aspectos motores, cognitivos e afetivos, são importantes,
mas, vinculados ao contexto da realidade sócio-cultural dos alunos.
O problema que tanto atormenta os professores, são os dos diferentes
níveis em que normalmente os alunos se encontram e vão se
desenvolvendo durante o processo de alfabetização. De acordo com
Teberosky (1991) investigações recentes demonstraram que a
aprendizagem da escrita não é uma tarefa simples para a criança, já
que requer um processo complexo de construção, em que suas ideias nem
sempre coincidem com as dos adultos.
Existem investigações que mencionam que o nosso sistema alfabético de
escrita é natural e que a única dificuldade existente, consiste em
aprender as regras de correspondência entre fonema e grafema, e,
partindo dessa suposição, para aprender a ler e a escrever é
necessário ressaltar fundamentalmente o aspecto sonoro.
Os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicar as
diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos. Emília
Ferreiro e Ana Teberosky (1999) destacaram, dentre todas as hipóteses
de construção externadas pelas crianças, quatro hipóteses
fundamentais para compreensão de como as crianças adquirem a
linguagem escrita. São elas:
1) Nível Pré-silábico - caracterizada pela fase icônica, onde a
crianças acredita que escrever é desenhar o objeto. Não se busca
correspondência com o som; as hipóteses das crianças são estabelecidas
em torno do tipo e da quantidade de grafismo. A criança tenta nesse
nível: diferenciar entre desenho e escrita; utilizar no mínimo duas ou
três letras para poder escrever palavras; reproduzir os traços da
escrita, de acordo com seu contato com as formas gráficas (imprensa ou
cursiva), escolhendo a que lhe é mais familiar para usar nas suas
hipóteses de escrita; perceber que é preciso variar os caracteres para
obter palavras diferentes Aparecem tentativas da criança de
correspondência entre a escrita e o objeto referido (realismo
nominal), associando, por exemplo, o nome de uma pessoa a idade que
ela tem, portanto os números de letras deverão está de acordo com
esses critérios. Outras características principais dessa fase são: os
diferentes estilos de escrita das crianças na fase inicial da escrita;
as problemáticas quanto à orientação espacial da escrita; ora a
escrita é representada por letras, ora por desenhos, ou com ambos, há
grande dificuldade em estabelecer diferença entre as atividades de
escrever e desenhar; a quantidade mínima de caracteres exigidos e a
variedade desses caracteres.
2) Nível Silábico - pode ser dividido entre Silábico e Silábico Alfabético:
Silábico - É o início da fonetização da escrita, ou seja, a
criança escreve relacionando as
unidades da escrita às unidades da fala. Ela descobre que a escrita
representa os sons da fala e passa a escrever uma letra para cada
sílaba, controlando a quantidade necessária de sílabas para cada
palavras. Algumas crianças podem apresentar uma escrita silábica sem
valor sonoro, pois observam a quantidade, mas não a qualidade das
letras. Por exemplo, pode escrever RAFI, para borboleta, que apresenta
quatro sílabas ou PTA para camelo, que tem três sílabas. Quando
aprendem o valor convencional das letras do alfabeto, as crianças
utilizam para cada sílaba, uma letra (vogal ou consoante) com valor
convencional, ou seja, descobre que o importante não é apenas a
quantidade, mas também a qualidade das letras. a criança compreende
que as diferenças na representação escrita está relacionada com o
"som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma
forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma
aleatória, usando apenas consoantes, ora apenas vogais, ora letras
inventadas e repetindo-as de acordo com o número de sílabas das
palavras.
Silábico- Alfabético - essa fase é de transição entre a hipótese
silábica e a hipótese alfabética, a
criança abandona a primeira hipótese e descobre que necessita analisar
outras possibilidades de escrita, uma vez que ela vai além da sílaba
pelo conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de
letras, além do conflito entre as formas gráficas que o meio lhe impõe
e a leitura dessas formas com base na hipótese silábica. Convivem as
formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e
a criança pode escolher as letras ou de forma ortográfica ou fonética.
• Alfabética - É a etapa final da evolução, pois a criança ao chegar
nessa hipótese compreendeu que cada um dos caracteres da escrita
corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza
sistematicamente, uma análise sonora dos fonemas das palavras que
necessita escrever. As dificuldades a partir dessa hipótese não serão
mais conceituais e sim ortográficas, pois a criança ficará exposta às
dificuldades próprias do sistema ortográfico da língua materna. A
criança agora entende que:
a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada
em unidades menores
a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que
pode gerar as famosas dificuldades ortográficas
a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras.
Algumas crianças chegam à escola com a compreensão do princípio
alfabético. Outras pensam que o número de letras de uma palavra é
igual ao número de sílabas de uma palavra, enquanto outras, sequer
entenderam que as letras escritas têm relação com os sons das
palavras. Devemos lembrar sempre que as crianças não chegam à escola
com o mesmo nível de compreensão do que seja ler e escrever.
Como bem demonstram as investigações de Ferreiro e Teberosky, assim
como em outros âmbitos, no âmbito da língua escrita, a criança é um
sujeito ativo que se depara com a realidade, construindo
conhecimentos, criando teorias e hipóteses, comparando-as entre si e
modificando-as.
Essas hipóteses são, portanto, construídas pelos aprendizes da
escrita, em uma sociedade letrada, a partir das reflexões que eles
fazem a partir da utilização da fala, de conhecimentos prévios e de
novas informações fornecidas pelo meio, possibilitando assimilações e
generalizações. Nesse processo, as crianças testam suas hipóteses e as
reformulam quando percebem que essas não são suficientemente eficazes
para explicar o novo objeto com o qual se deparam.
A importância da Consciência Fonológica no processo de Alfabetização
Podemos definir a consciência fonológica como uma habilidade de
manipular a estrutura sonora das palavras desde a substituição de um
determinado som até a segmentação deste em unidades menores. O
processo de alfabetização implica em analisar as palavras em seus
componentes (letras e formas) e utilizar, para a codificação e
decodificação, regras de correspondência entre letras e sons. Já o
processamento fonológico refere-se às operações de processamento de
informação baseada na fala, ou seja, na estrutura fonológica da
linguagem oral.
Um dos aspectos fundamentais do aprendizado da leitura e da escrita é
a compreensão de que a língua é constituída de sons. Existe uma
relação muito estreita entre os aspectos fonológicos e o aprendizado
da leitura e da escrita. É, pois, muito importante desenvolver na
criança a consciência fonológica, isto é, desenvolver a capacidade de
refletir sobre a dimensão sonora da língua. É relevante esclarecer que
não trata-se simplesmente de trabalhar com o método fônico, mas em um
trabalho com os aspectos sonoros do sistema alfabético de escrita.
A criança, desde muito cedo, tem a capacidade de ouvir e emitir uma
infinidade de sons. Quando começa a falar, ela passa a fazer parte de
um mundo em que as interações são mediadas predominantemente pela
linguagem oral.
À medida que se relaciona com os sujeitos de sua cultura e com os sons
que eles emitem, ela seleciona alguns sons, restringindo esse
repertório àquilo que permitirá o compartilhamento de significados com
esses sujeitos. Dessa forma, os balbucios se tornam palavras que são
compreendidas quando associadas aos objetos presentes.
Nesse processo de construção de significados, a consciência do som que
a criança tinha anteriormente vai se perdendo, à medida que ela se
prende mais ao conteúdo da fala do que aos sons que emite ou ouve.
A dificuldade em tornar a consciência fonológica das nossas crianças
"ativa", parte de um erro comum entre nós adultos. Quando estamos
dialogando, prestamos atenção apenas nas ideias, e não nos sons que
emitimos. O mesmo acontece quando ouvimos: prestamos atenção apenas
nos significados dos discursos, não nos sons de nossa fala, e isso já
tornou-se um hábito.
Canções, poemas, parlendas, trava-línguas, cantigas de roda,
quadrinhas, adivinhações, jogos e outras brincadeiras com a língua
contribuem para tornar observável sua sonoridade, o que é muito
importante na fase inicial de aprendizagem da leitura e da escrita.
Além de constituírem situações lúdicas, são recursos para o
desenvolvimento da consciência fonológica, pois apresentam rimas,
aliterações, possibilidades de trabalhar a segmentação das palavras e
de organizá-las numa sequência com sentido e significado.
Na convivência constante com textos como esses, as crianças se
apropriam da dimensão sonora da escrita e percebem, cada vez mais, a
relação entre o que falamos e o que escrevemos, entre a quantidade e a
qualidade das letras necessárias à escrita, reconhecem o valor
posicional das letras nas palavras. Assim, desenvolvem a consciência
fonológica e se aproximam do sistema convencional ortográfico, com
suas regularidades e irregularidades.
Crianças com dificuldades em consciência fonológica geralmente
apresentam atraso na aquisição da leitura e escrita, e procedimentos
para desenvolver a consciência fonológica podem ajudar as crianças com
dificuldades na escrita a superá-los. O desempenho das crianças na
fase pré-escolar em determinadas tarefas de consciência fonológica é
fator determinante de seu sucesso ou fracasso na aquisição e
desenvolvimento da lecto-escrita.
É comum vermos crianças de 4 ou 5 anos brincando com nomes dos colegas
em jogos de rimas como: "Gabriel cara de pastel, Fabiana cara de
banana". Mesmo sem saber que isto é uma rima, a brincadeira espontânea
das crianças atesta sua capacidade de consciência fonológica.
Na verdade, o desenvolvimento da consciência fonológica parece estar
relacionado ao próprio desenvolvimento simbólico da criança, no
sentido dela vir a atentar para o aspecto sonoro das palavras
(significante) em detrimento do seu aspecto semântico (significado).
Devemos ter clareza que, o conhecimento prévio da criança facilita a
aprendizagem da leitura e o aprimoramento da consciência fonológica.
Na medida em que a alfabetização vai se aprimorando a consciência
fonológica também se lapida e caminham juntas auxiliando a criança no
aperfeiçoamento de suas funções cognitivas, refletindo-se assim em
todo o processo de construção do aprendizado.
Referências bibliográficas:
COLELLO, S. M. G. & SILVA, N. "Letramento: do processo de exclusão
social aos vícios da prática pedagógica" In VIDETUR, n. 21.
Porto/Portugal: Mandruvá, 2003, pp. 21 – 34 (ww.hottopos.com).
FEEREIRO, E. Cultura escrita e educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 2001.
KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova
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Letras, 1995.
___________ LEITE, S. A. S. (org.) Alfabetização e letramento –
contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas, Komedi/Arte
Escrita, 2001.
RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte,
Autêntica, 1998.
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